Jacarés da Fazenda Santa Cruz

Jacarés da Fazenda Santa Cruz
A Santa Cruz e seus proprietários Gerson e Rosaura, tiveram importante papel na luta para afastar o jacaré do Pantanal do risco de extinção. Gerson, como Veterinário, desenvolveu técnicas de manejo que possibilitaram a criação de jacarés em cativeiro, repovoando a natureza.

Filhote de Arara Azul

Filhote de Arara Azul
Esse filhote de Arara Azul caiu do ninho e foi encaminhado à Fazenda 23 de março, que cuidará dele até que possa ser novamente devolvido à natureza.

Cavaleiros no alagado

Cavaleiros no alagado
A convivência harmoniosa com a natureza é o pilar pelo qual se ergue o Homem Pantaneiro. Cheias e secas cíclicas fazem parte do modo de vida do Pantanal.

quinta-feira, 11 de março de 2010

O Pantanal Brasileiro

O explorador espanhol Alvar Nuñes Cabeza de Vaca foi o primeiro europeu a chegar ao nosso Pantanal, ainda no século XVI. Pelo tratado de Tordesilhas essas terras pertenciam à Espanha àquela época. O objetivo dessas primeiras expedições era de procurar ouro, prata e pedras preciosas. Não encontrando ali o que buscavam seguiram para outras terras e não estabeleceram algum tipo de colonização neste local, que chamaram de Mar de Xaraés, por ali haver água em abundância e predominar a etnia indígena Xaraye.
Não somente erraram os espanhóis em chamar de Mar esse pedaço de terra, mas também nós em denomina-lo Pantanal, pois não existe neste local um bioma de pântano, mas sim uma planície alagável. O fato é que o nome Pantanal pegou e hoje se orgulham os que lá nasceram de serem pantaneiros.
Tivessem seguido os espanhóis um pouco mais adiante, até o local onde hoje existe a cidade de Cuiabá, teriam encontrado, em abundância, o ouro que tanto buscavam, mas essa descoberta aconteceria somente quase dois séculos mais tarde, e os felizardos a o descobrirem foram os Bandeirantes paulistas. Já comentei em outro artigo* nesse Blog sobre o avanço dos paulistas na época das grandes descobertas de minério no Brasil, eles trouxeram consigo uma cultura própria, que seria mais tarde chamada caipira**. O fato é que, terminada a produção de ouro, este povo se fixou nos locais que haviam desbravado, tornando-os possessão da coroa Portuguesa e, mais tarde, em território Brasileiro.
Esses paulistas, tornados cuiabanos, foram seguindo a expansão do gado que criavam e, aos poucos, ocupando o Pantanal. A década de 1840 marcou a chegada de diversas famílias, de ancestralidade paulista, no pantanal sul, região que foi foco de nossa expedição.
A criação de gado bovino era a principal atividade das fazendas, o boi e seus boiadeiros ajudaram a moldar a identidade cultural desse novo brasileiro que nascia. As fronteiras próximas da Bolívia e Paraguai também foram grandes influências nessa cultura, a música paraguaia, por exemplo, com suas polcas, danças e chamames é hoje parte do cotidiano deste povo, assim como a faixa que este ostentam na cintura é feita, normalmente, no Paraguai. A influencia não somente cultural mas também genética da Matriz Antropológica Indígena é evidente e percebida aos olhos nos traços típicos do rosto pantaneiro.
Correntes migratórias internas trouxeram para Mato Grosso do Sul brasileiros de diversas origens, desde gaúchos, vindos ainda no século XIX, até nordestinos, chegados principalmente na década de 1940. Existiram ainda imigrações de europeus, japoneses, libaneses e outros, mas esses chegados tardios, brasileiros ou estrangeiros, já encontraram a cultura e costumes populares estabelecidos, predominando o comportamento e modo de vida local, restou-lhes adaptarem-se ao ambiente.
São costumes marcantes destes homens: o Tereré***, tomado bem gelado nas rodas de amigos; o churrasco assado em lenha de angico, onde é presente um tipo de carne parcialmente seca, chamada carne oreada e a linguiça maracajú****; as provas de laço aos finais de semana; o uso do chapéu de palha de carandá, bombachas, faixa colorida na cintura e jogo de facas colocadas às costas, como indumentária para a lida campeira. É um povo alegre, educado, orgulhoso de seus costumes e, antes de tudo, forte. Enfrenta as forças da natureza, como seca e cheia, tornando-as suas aliadas.
As adversidades naturais deixaram o homem pantaneiro isolado das comodidades modernas por muito tempo, muitas das fazenda que visitamos, a maioria, recebeu a energia elétrica há dez anos apenas, ou seja, já no século XXI. As estradas de acesso também tornaram-se livres das interrupções pelo alagamento nesta mesma época. Antes, apenas os rios e os aviões eram o meio de transporte.
Ouvi de João Júlio, um típico homem pantaneiro, um dito popular, pelo qual muitos desta terra se pautam: “quem guarda o que não presta mais tem sempre o que precisa”. A distancia dos grandes centros e dificuldade de locomoção ensinou-os a usar com parcimônia os recursos disponíveis.
Essas circunstâncias naturais e culturais terminaram por criar uma verdadeira simbiose entre homem e natureza. O pantaneiro desfruta da natureza, tirando dela seu sustento, respeitando-a e preservando-a. Um verdadeiro exemplo de vida para todos nós. Essa hoje tão falada sustentabilidade foi, desde sempre, o pilar pelo qual se ergue esse grande homem brasileiro.

* Fato comentado no artigo Paulistânia Caipira.
** Caipira - palavra de origem indígena que significa: aquele que mora longe.
*** Tereré é uma bebida gelada com erva mate. É usual a erva mate do tereré vir composta com menta e boldo. Esta bebida é também parte da cultura paraguaia.
**** A linguiça maracajú é feita com carne de porco e assada ainda fresca.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Expedição Mato Grosso do Sul

Em 18 de Fevereiro, uma quarta-feira de cinzas, rumamos novamente para o Mato Grosso do Sul, dessa vez com a equipe completa, fotografo e produtor: eu e Marcos Vargas, responsáveis pelo documentário fotográfico, repórter, cinegrafista e sonoplasta do Canal Rural: Cássio, Demétrio e Clóvis, encarregados do documentário para TV dessa emissora.
Fomos recebidos em Campo Grande por Delasnieve Daspet, Marley Sigrist, Edílson Aspet e Nelson Vieira. Em 19/02 a equipe entrevistou Nilde Brun, da Fundação de Turismo, e Américo Calheiros, Secretário de Cultura do Estado. Durante a noite assistimos e registramos uma apresentação do Grupo de Dança Camalote*, que trouxe em sua coreografia danças folclóricas como Catira, Siriri e Ciranda Pantaneira.
O Canal Rural entrevistou a Chefe de Cozinha Dedé que, em parceria com o Chefe Paulo Machado, desenvolveu um projeto de preservação das receitas tradicionais da gastronomia pantaneira, já citado por mim nesse blog.
Recebemos, ainda em Campo Grande, um novo integrante em nosso grupo, Dalfran, que dirigiu a Van, que foi colocada a serviço de nosso projeto pelo Governo do Estado de Mato Grosso do Sul e que nos levou à Fazenda Cacimba de Pedra, que foi nossa Base de trabalho no Pantanal, até o final da expedição em 28/02.
Nessa etapa o projeto contou ainda com o apoio de um avião, oferecido pelo Governo do Estado, que nos possibilitou captar imagens aéreas, que farão com que os expectadores de nosso trabalho tenham uma idéia melhor da geografia do Estado de Mato Grosso do Sul, além de nos viabilizar a chegada em locais sem acesso por terra, devido ao período de cheia do Pantanal. Ganhamos assim novos companheiros de equipe: Capitão Ênio, Capitão Katiane, Soldado Jardel e, mais tarde, o Tenente Amador. Sob o comando do Capitão Ênio, eram esses os responsáveis por nossas missões aéreas.
Agradecemos a especial atenção que nos dispensou a Coordenadoria de Policiamento Aéreo e seu coordenador geral, Coronel José Tadeu.
Vivemos ótimas experiências juntos e do ar conseguimos visualizar o que em teoria haviam nos passado: que existem diversos e diferentes pantanais, cada qual com seus ciclos de cheia e seca. Enquanto nas Fazendas: Piúva, Cacimba de Pedra, 23 de Março e Santa Cruz o solo estava seco, na Rio Vermelho apenas a casa sede, pista de pouso e algumas poucas elevações estavam fora d’água. Nessa ultima fazenda passamos por uma situação surreal, aos olhos urbanos de muitos, nosso avião encalhou no terreno molhado da pista de pouso, creio que poucos ouviram falar na difícil tarefa que tivemos: desencalhar um avião.
Não bastando isso, fomos levados à sede da fazenda em um barco puxado por mula. Um meio de transporte muito usado pelo pantaneiro, na cheia, pois com apenas um animal pode-se transportar várias pessoas e objetos, seria algo como uma carroça fluvial, ali chamada de “barco chinchado”**.
Nessa situação o gado fica, durante a noite, nas elevações secas e delas sai pelo terreno alagado durante o dia para pastar da vegetação submersa ou com as pontas fora d’água. Os bezerros em amamentação permanecem em terra firme e suas mães retornam do pastoreio, de tempos em tempos, para os amamentar. Predomina nessa paisagem o gado nelore*** e é incrível observar como esse animal se adaptou plenamente a essa situação e passa por esse período adverso com ótima condição de saúde, parecendo ter, essa raça bovina, origem pantaneira.
Sobrevoamos também a Serra do Amolar, um maciço rochoso que se eleva ao norte do Panatanal de Mato Grosso do Sul e que recebeu esse nome por ter em seu solo pedras que se prestam a amolar facas ou ferramentas. Uma paisagem de tirar o fôlego por sua beleza, tanto que nos adiantamos no horário sendo-nos impossível retornar à Fazenda, cuja pista de pouso não dispõe de iluminação noturna.
Pernoitamos em Corumbá e lá conhecemos o trabalho do Instituto Homem Pantaneiro. Seu presidente, Rubens de Souza, nos mostrou um prédio histórico, próximo ao Porto de Corumbá, em restauração pelo Instituto, para ali implantar um novo Espaço Cultural para a cidade. Essa entidade trabalha pela preservação do Pantanal e tem adquirido terras na região, transformando-as em reservas permanentes, uma iniciativa realmente maravilhosa.
Visitamos ainda outro bioma de serra, a Serra da Bodoquena, onde contamos com o apoio da Prefeitura Municipal de Bodoquena e do casal Acylino e Regina, proprietários do Hotel Fazenda do Betione. Visitamos a Fazenda Boca da Onça, onde fomos recebido pelo Roni, que nos levou ao topo e depois ao pé da Cachoeira da Boca de Onça, uma queda d’água de 170 metros. Conhecemos ainda a criação de Guzerá**** dessa fazenda, que dispõe de excelentes matrizes dessa raça.
Acylino e Regina nos hospedaram em sua propriedade, que é cortada por um rio transparente com lindas quedas d’água, destacando-se a Cachoeira do Pedrosian. Nos prepararam uma apresentação do grupo de Folia de Reis local e ainda nos apresentaram aos índios Kadwéu. Essa etnia é chamada popularmente de Índios Cavaleiros, pois, no passado, domesticaram cavalos deixados pelos primeiros espanhóis que visitaram o pantanal, tornando-se exímios cavaleiros, o que provocou mudanças em sua cultura, influindo em todo seu modo de vida.
Os Kadwéu usam calça de couro, especial para montaria, ao invés de tangas e criam cavalos e gado bovino. Esses índios foram aliados do governo imperial brasileiro, por ocasião da Guerra do Paraguai, tendo desempenhado importante papel em nossa vitória nesse conflito, o que motivou a doação de 530 mil hectares de terra, feita por Dom Pedro II, a essa tribo. Desses indígenas registramos a produção de cerâmica e a realização de uma pintura típica, que fazem no corpo de seus cavalos. Sua pintura tem caracteres com simbologia definida e reconhecida por eles, sendo assim uma forma de escrita com ideogramas.
Ainda na Bodoquena, Acylino nos levou ao Sr. Luiz, antigo organizador de comitivas*****, que tem o corpo marcado por diversos acidentes que teve no transporte de gado. Ele nos fez uma demonstração da formação de uma tropa com mais de 60 animais. Esse homem muito bem representa a fibra e coragem do boiadeiro de Mato Grosso do Sul, um homem forte que sobrepuja as forças da natureza tornando-as aliadas.
Terminamos nossa expedição na Fazenda 23 de Março, onde assistimos a uma prova de laço, durante a qual pudemos observar as habilidades dos peões pantaneiros. Também provamos do churrasco tradicional, preparado pelo proprietário João Julio, que nos serviu carne oreada****** e cordeiro, ambos orgânicos, assados à lenha de angico. Essa fazenda, por iniciativa de seu proprietário, cultua as tradições pantaneiras em seu cotidiano e, em breve, será objeto de um artigo nesse blog.
Retornamos do Mato Grosso do Sul com farto material, eu com cerca de 1.500 fotogramas e o pessoal do Canal Rural com 13 horas de gravações. Isso possibilitará o registro da rica cultura desse Estado, numa iniciativa que pretende preservar, valorizar e divulgar o Patrimônio Cultural Imaterial do povo sul-mato-grossense, o que nos será possível graças aos nossos patrocinadores e ao incondicional apoio do Governo do Estado de Mato Grosso do Sul.
Agradecemos especialmente à Fátima, da Aguas do Pantanal, que foi imprescindível ao sucesso dessa expedição, e a Adélia,Terezinha e Fernando, da Fundaçao de Turismo de Mato Grosso do Sul.
Ao Sr. André Puccinelli, Governador do Estado, ficamos eternamente gratos por sua inestimável ajuda ao projeto Brasil Boiadeiro e apoio à cultura popular local, cuja riqueza de costumes e tradições engrandecem ainda mais nosso Brasil.


* Camalote - nome popular de uma planta aquática flutuante do Pantanal.
** Chinchado - Preso à chincha. Chincha é um tipo de cinta com argolas colocada sobre os arreios dos cavalos, na qual o cavaleiro prende a extremidade final de seu laço ou corda para puxar ou sustentar algo laçado ou preso à outra ponta.
*** Nelore - Raça bovina adaptada ao Brasil, mas de origem indiana, originalmente denominada Ongole.
**** Guzera - Raça bovina adaptada ao Brasil, mas de origem indiana, originalmente denominada Kankregi.
***** Comitivas - Grupo de peões transportando boiadas. As comitivas ainda são frequentes no Pantanal. O gado é tocado numa marcha lenta, podendo este pastar durante o trajeto.
****** Carne Oreada - Tipo de carne salgada e depois seca. Normalmente pendurada em varais ao sereno da noite.